<font color=d40000>O rosto de uma luta que continua</font>
A luta do povo palestiniano pelo direito à terra e à construção de um Estado livre e autónomo dos restantes assenta raízes profundas na história da humanidade. De entre os muitos milhares que deram corpo e dedicaram a vida a esta causa, emergiu, nas últimas quatro décadas, Yasser Arafat, o rosto de um combate justo que, para além da sua existência, promete continuar.
Mohammad Abdel Rauf al-Qudwa al-Hussein, o homem que nos habituámos a tratar por Yasser Arafat, faleceu na madrugada do passado dia 11 de Novembro no Hospital Militar de Percy, nos arredores de Paris, após duas semanas de internamento cujas causas são ainda desconhecidas.
Filho de um comerciante de tecidos egípcio e de uma palestiniana natural de Jerusalém, Arafat nasceu em Agosto de 1929, mas a sua cidade natal é um dos enigmas que rodeiam a sua personalidade. Oficialmente nasceu no Cairo, mas o próprio afirmava ter sido em Jerusalém, facto que se torna ainda mais difícil de apurar se tivermos em conta que repartiu a sua infância por ambas cidades.
Na Palestina, no dobrar das décadas de 20 e 30 do século passado, o povo colonizado levantava-se contra um Império Britânico em decadência, luta de forte influência no jovem Arafat que, com 17 anos, ainda no Cairo, já participava em operações de envio de armas para os companheiros de Gaza, Jerusalém e Jericó.
Ocupação e resistência
Depois do final da II Grande Guerra Mundial, enquanto a Inglaterra retira da Palestina, Ben Gurian une os grupos sionistas pela edificação do Estado de Israel mergulhando a ex-colónia num conflito com os povos árabes autóctones. Arafat participa nestes combates, mas perante a derrota militar dos palestinianos, regressa ao Cairo onde cursa a licenciatura de engenharia a par da actividade associativa como presidente da Liga Palestina dos Estudantes, entre 1952 e 1956.
Concluídos os estudos académicos, trabalha no Egipto do então presidente Abdel Nasser e posteriormente no Kuweit, onde funda juntamente com outros companheiros exilados a organização de resistência armada Al-Fatah.
A limpeza étnica e continua expulsão dos palestinianos do seu território, levada a cabo pela direita israelita com a conivência norte-americana, faz da Al-Fatah uma das mais populares organizações da resistência.
Em 1967, os exércitos dos países árabes são derrotados por Israel na Guerra dos Seis Dias, o que resulta no massacre de milhares de palestinianos e na ocupação da Cisjordânia, Jerusalém Oriental, Gaza, os Montes Golã na Síria e o Monte Sinai no Egipto.
A guerrilha é a única alternativa em face das derrotas militares convencionais, e a necessária unidade das forças da resistência leva a que a Al-Fatah incorpore a Organização de Libertação da Palestina (OLP), criada em 1964 pela Liga Árabe, e presidida desde 1969 por Yasser Arafat.
De exílio em exílio, a luta continua
Expulsos da Jordânia pelo Rei Hussein, a OLP e Arafat são forçados a mudar para Beirute, no Líbano, onde permanecem e aprofundam as bases da resistência armada e a ligação ao povo palestiniano.
No ano da Revolução de Abril, Arafat discursa na Assembleia Geral das Nações Unidas, organização que reconhece o direito de existência de um Estado palestiniano. Num apelo à paz, Arafat declara que comparece «carregando um ramo de oliveira e a arma de um combatente da liberdade» e desafia «não deixem que o ramo de oliveira caia da minha mão».
A «comunidade internacional» fez pouco caso do apelo e, em 1982, Israel invade o Líbano com auxílio da reacção local e dos EUA. Sharon, no comando das operações, cerca Beirute e massacra milhares de palestinianos nos campos de refugiados de Chatila e Sabra, obrigando Arafat e a OLP a recuarem, desta vez para Tunes, capital da Tunísia.
Intifada e negociação da paz
Com pouco mais do que pedras para lutarem, os palestinianos declaram a 1.ª Intifada no final dos anos 80, período a partir do qual a OLP e Israel iniciam diversas rondas negociais com vista ao desbloqueio do conflito.
Da parte dos palestinianos a boa fé traduz-se na aceitação da existência do Estado de Israel consoante as fronteiras advindas da Guerra dos Seis Dias. Do lado dos israelitas, a busca da paz vai sendo empatada com mudanças governativas e alterações na correlação de forças internas entre «radicais» e «moderados».
A paz e a autonomia transitória são assinadas em Washington entre Arafat e o então primeiro ministro israelita Yitzhak Rabin, em 1993, após diversas rondas de paz patrocinadas em Oslo, na Noruega.
Arafat regressa a Gaza e à Cisjordânia para liderar a Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), cargo para o qual é reeleito, através de sufrágio popular, três anos depois.
Pelo meio do processo, em 1994, Arafat e Rabin são agraciados com o Prémio Nobel da Paz, galardão pouco gozado pelo israelita que, em 1996, viria a ser assassinado por um militante da extrema-direita do seu país.
A ANP volta à mesa das negociações, desta feita com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o qual rompe o acordo assinado e não retira as tropas da Cisjordânia.
As incursões israelitas nunca cessaram. Os massacres e o assassínio selectivo de vários dirigentes palestinianos fazem parte do quotidiano na região, um diário de crimes de guerra que culmina com o acto simbólico da invasão, encabeçada por Sharon, de um templo muçulmano em Jerusalém.
Em resposta, os palestinianos declaram a 2.ª Intifada, em 2000, enquanto Sharon se prepara para assumir o governo de Israel e terminar a tarefa que viu lograda 14 vezes durante o cerco de Beirute, aniquilar Arafat e esmagar o povo palestiniano.
Desde então morreram cerca de quatro mil palestinianos em resultado das inúmeras incursões e bombardeamentos israelitas, Sharon mandou construir um muro com mais de uma centena de quilómetros para enclausurar o povo e dobrar a sua luta pelo isolamento, facto que mereceu a viva condenação de muitas instituições e personalidades, com excepção dos EUA e do actual presidente George W. Bush.
Yasser Arafat viveu os dois últimos anos confinado à sede da ANP, a Muqata, em Ramallah, na Cisjordânia, onde resistiu juntamente com os seus companheiros e o povo a diversos ataques e bombardeamentos do exército israelita.
Depois de duas semanas internado em Paris, o rosto da causa de um povo inteiro regressou à sua terra para ser sepultado junto da sede do governo da Palestiana.
Na linha de fogo
Durante uma vida inteira dedicada à causa da libertação da Palestina, Yasser Arafat foi alvo de dezenas de atentados, tendo quase sempre escapado ileso, transformando algumas em autênticas façanhas do seu percurso.
Nos anos 60, abandonou um refúgio na Cisjordânia que, minutos depois, sem nenhum sinal que o indicasse, foi cercado por carros de combate israelitas.
Na mesma época, durante uma viagem de automóvel a Bagdad, resistiu a um choque frontal com um camião.
Durante o cerco de Beirute, em 1982, sobreviveu a 14 investidas de Sharon, uma das quais destruiu um edifício de sete andares vitimando 200 pessoas. Arafat fugira pouco tempo antes do bombardeamento.
Um ano depois, sobreviveu a uma emboscada perto de Damasco, na Síria, o que se voltaria a repetir quando a aviação israelita enviou oito caças a Tunes, em 1985, e arrasou o escritório da OLP. Morreram 38 pessoas e mais de cem ficaram feridas.
Em 1992, a queda do avião que o transportava para Tunes matou três dos passageiros, mas Arafat reapareceu dez horas depois.
Desde 2002, a Muqata foi bombardeada pelo exército de Israel, mas Arafat, como tantas outras vezes aconteceu, por sorte, audácia ou argúcia, teve sempre a fortuna que milhares de outros companheiros não tiveram. Sobreviveu.
Filho de um comerciante de tecidos egípcio e de uma palestiniana natural de Jerusalém, Arafat nasceu em Agosto de 1929, mas a sua cidade natal é um dos enigmas que rodeiam a sua personalidade. Oficialmente nasceu no Cairo, mas o próprio afirmava ter sido em Jerusalém, facto que se torna ainda mais difícil de apurar se tivermos em conta que repartiu a sua infância por ambas cidades.
Na Palestina, no dobrar das décadas de 20 e 30 do século passado, o povo colonizado levantava-se contra um Império Britânico em decadência, luta de forte influência no jovem Arafat que, com 17 anos, ainda no Cairo, já participava em operações de envio de armas para os companheiros de Gaza, Jerusalém e Jericó.
Ocupação e resistência
Depois do final da II Grande Guerra Mundial, enquanto a Inglaterra retira da Palestina, Ben Gurian une os grupos sionistas pela edificação do Estado de Israel mergulhando a ex-colónia num conflito com os povos árabes autóctones. Arafat participa nestes combates, mas perante a derrota militar dos palestinianos, regressa ao Cairo onde cursa a licenciatura de engenharia a par da actividade associativa como presidente da Liga Palestina dos Estudantes, entre 1952 e 1956.
Concluídos os estudos académicos, trabalha no Egipto do então presidente Abdel Nasser e posteriormente no Kuweit, onde funda juntamente com outros companheiros exilados a organização de resistência armada Al-Fatah.
A limpeza étnica e continua expulsão dos palestinianos do seu território, levada a cabo pela direita israelita com a conivência norte-americana, faz da Al-Fatah uma das mais populares organizações da resistência.
Em 1967, os exércitos dos países árabes são derrotados por Israel na Guerra dos Seis Dias, o que resulta no massacre de milhares de palestinianos e na ocupação da Cisjordânia, Jerusalém Oriental, Gaza, os Montes Golã na Síria e o Monte Sinai no Egipto.
A guerrilha é a única alternativa em face das derrotas militares convencionais, e a necessária unidade das forças da resistência leva a que a Al-Fatah incorpore a Organização de Libertação da Palestina (OLP), criada em 1964 pela Liga Árabe, e presidida desde 1969 por Yasser Arafat.
De exílio em exílio, a luta continua
Expulsos da Jordânia pelo Rei Hussein, a OLP e Arafat são forçados a mudar para Beirute, no Líbano, onde permanecem e aprofundam as bases da resistência armada e a ligação ao povo palestiniano.
No ano da Revolução de Abril, Arafat discursa na Assembleia Geral das Nações Unidas, organização que reconhece o direito de existência de um Estado palestiniano. Num apelo à paz, Arafat declara que comparece «carregando um ramo de oliveira e a arma de um combatente da liberdade» e desafia «não deixem que o ramo de oliveira caia da minha mão».
A «comunidade internacional» fez pouco caso do apelo e, em 1982, Israel invade o Líbano com auxílio da reacção local e dos EUA. Sharon, no comando das operações, cerca Beirute e massacra milhares de palestinianos nos campos de refugiados de Chatila e Sabra, obrigando Arafat e a OLP a recuarem, desta vez para Tunes, capital da Tunísia.
Intifada e negociação da paz
Com pouco mais do que pedras para lutarem, os palestinianos declaram a 1.ª Intifada no final dos anos 80, período a partir do qual a OLP e Israel iniciam diversas rondas negociais com vista ao desbloqueio do conflito.
Da parte dos palestinianos a boa fé traduz-se na aceitação da existência do Estado de Israel consoante as fronteiras advindas da Guerra dos Seis Dias. Do lado dos israelitas, a busca da paz vai sendo empatada com mudanças governativas e alterações na correlação de forças internas entre «radicais» e «moderados».
A paz e a autonomia transitória são assinadas em Washington entre Arafat e o então primeiro ministro israelita Yitzhak Rabin, em 1993, após diversas rondas de paz patrocinadas em Oslo, na Noruega.
Arafat regressa a Gaza e à Cisjordânia para liderar a Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), cargo para o qual é reeleito, através de sufrágio popular, três anos depois.
Pelo meio do processo, em 1994, Arafat e Rabin são agraciados com o Prémio Nobel da Paz, galardão pouco gozado pelo israelita que, em 1996, viria a ser assassinado por um militante da extrema-direita do seu país.
A ANP volta à mesa das negociações, desta feita com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o qual rompe o acordo assinado e não retira as tropas da Cisjordânia.
As incursões israelitas nunca cessaram. Os massacres e o assassínio selectivo de vários dirigentes palestinianos fazem parte do quotidiano na região, um diário de crimes de guerra que culmina com o acto simbólico da invasão, encabeçada por Sharon, de um templo muçulmano em Jerusalém.
Em resposta, os palestinianos declaram a 2.ª Intifada, em 2000, enquanto Sharon se prepara para assumir o governo de Israel e terminar a tarefa que viu lograda 14 vezes durante o cerco de Beirute, aniquilar Arafat e esmagar o povo palestiniano.
Desde então morreram cerca de quatro mil palestinianos em resultado das inúmeras incursões e bombardeamentos israelitas, Sharon mandou construir um muro com mais de uma centena de quilómetros para enclausurar o povo e dobrar a sua luta pelo isolamento, facto que mereceu a viva condenação de muitas instituições e personalidades, com excepção dos EUA e do actual presidente George W. Bush.
Yasser Arafat viveu os dois últimos anos confinado à sede da ANP, a Muqata, em Ramallah, na Cisjordânia, onde resistiu juntamente com os seus companheiros e o povo a diversos ataques e bombardeamentos do exército israelita.
Depois de duas semanas internado em Paris, o rosto da causa de um povo inteiro regressou à sua terra para ser sepultado junto da sede do governo da Palestiana.
Na linha de fogo
Durante uma vida inteira dedicada à causa da libertação da Palestina, Yasser Arafat foi alvo de dezenas de atentados, tendo quase sempre escapado ileso, transformando algumas em autênticas façanhas do seu percurso.
Nos anos 60, abandonou um refúgio na Cisjordânia que, minutos depois, sem nenhum sinal que o indicasse, foi cercado por carros de combate israelitas.
Na mesma época, durante uma viagem de automóvel a Bagdad, resistiu a um choque frontal com um camião.
Durante o cerco de Beirute, em 1982, sobreviveu a 14 investidas de Sharon, uma das quais destruiu um edifício de sete andares vitimando 200 pessoas. Arafat fugira pouco tempo antes do bombardeamento.
Um ano depois, sobreviveu a uma emboscada perto de Damasco, na Síria, o que se voltaria a repetir quando a aviação israelita enviou oito caças a Tunes, em 1985, e arrasou o escritório da OLP. Morreram 38 pessoas e mais de cem ficaram feridas.
Em 1992, a queda do avião que o transportava para Tunes matou três dos passageiros, mas Arafat reapareceu dez horas depois.
Desde 2002, a Muqata foi bombardeada pelo exército de Israel, mas Arafat, como tantas outras vezes aconteceu, por sorte, audácia ou argúcia, teve sempre a fortuna que milhares de outros companheiros não tiveram. Sobreviveu.